Psiquiatra da Casa de Saúde Saint Roman fala sobre o crime de Suzano
*Dr. Ricardo Patitucci
A explicação para o massacre que ocorreu em Suzano ultrapassa as fronteiras da psiquiatria, e esta ciência sozinha não pode compreendê-lo por completo. No entanto, é necessário investigar se os indivíduos responsáveis pelos assassinatos sofriam de algum transtorno mental; e é sobre essa questão que nos debruçaremos agora.
A maioria dos crimes possui uma motivação, mas quando ela não está clara - e até nos parece incompreensível - são grandes as chances de estarmos frente a um ilícito cometido por um indivíduo desprovido de sanidade. Esse é um dos preceitos da psiquiatria forense, área do conhecimento que estabelece uma ponte entre a psiquiatria e o direito. E que, dentre outras atribuições, busca responder às seguintes perguntas: o avaliado possui transtorno mental? Se sim, esse transtorno prejudicou o seu entendimento sobre a realidade no momento do crime? O transtorno prejudicou o controle do indivíduo sobre si próprio no momento do crime?
Para isso vamos recorrer a um exemplo caricato, imagine um indivíduo de 30 anos, que apresenta retardo mental, nunca conseguiu se alfabetizar, não reconhece o valor do dinheiro, não compreende metáforas, não sabe andar sozinho pela rua e não consegue realizar sua higiene pessoal sem auxílio. Pense que ele está com fome e, ao caminhar por uma feira livre, pega algumas frutas sem pagar e vai embora. A princípio podemos julgar que ele cometeu um furto e que deve responder criminalmente por isso. Porém, voltando as perguntas feitas anteriormente, constatamos que ele possui um transtorno mental e que, como não compreende o valor do dinheiro, não possui o correto entendimento sobre o ato que cometeu. Assim, mediante um laudo do psiquiatra forense, ele pode ser considerado pelo juiz que o avaliará como inimputável, ou seja, incapaz de se responsabilizar pelo que fez. E deste modo, isento de pena. Tal exemplo é emblemático, mas se estende a casos de psicose, alterações de comportamento decorrente de demências, surtos do transtorno bipolar, entre outros.
É importante ressaltar que cada situação é única e não se pode realizar nenhuma generalização sobre esse assunto. Por exemplo, a afirmação de que “todo indivíduo com esquizofrenia não sabe o que faz” é falsa, pois dada a situação e o quadro evolutivo do indivíduo, pode ser que uma pessoa com esquizofrenia saiba exatamente o que fez.
No caso da chacina em Suzano é necessário realizarmos a chamada “autópsia psiquiátrica”. Esse recurso é utilizado quando se analisa a sanidade mental de um indivíduo que já morreu.
Mas como é possível emitir esse parecer sem entrevistar a pessoa? Certamente é uma situação complexa e que exige grande perícia do psiquiatra forense. Para isso são recolhidas o máximo de informações sobre o avaliado, e isso inclui: entrevista com familiares e pessoas de seu círculo de convivência, avaliação de comportamentos prévios, registros feitos por ele em mídias sociais, conteúdos armazenados em seu computador, preferências, registros médicos prévios, histórico e relatório escolar, padrões de relacionamentos afetivos, entre outros.
Assim, é leviano, neste momento, emitir qualquer parecer psiquiátrico-forense sobre a tragédia ocorrida em São Paulo sem antes termos acesso detalhado a maior parte destas informações.
*Dr.Ricardo Patitucci é psiquiatra forense e vice-diretor médico da Casa de Saúde Saint Roman.
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